Da sacristia, no meio duma enorme confusão, saíram o padre Rocha e o padre Almeida. Ao pé da porta deixaram cair um postal.
Ela tomou-o, viu nele uma mulher de peitos como os seus, redondos, grandes, soltos, era “A Portuguesa”. Mas, por que teriam os padres esse postal?
Entrou na sacristia à procura do padre Semedo, olhou em todas as direções, o lugar parecia vazio.
Encontrou ao padre Semedo no chão, já sem ar.
Fechou a porta.
Aproximou-se do corpo e fixou os seus olhos nos olhos do padre, morto, sem nenhum movimento.
Ficou gelada por três segundos ou por uma eternidade.
Lembrou-se do discurso do padre:
- A República só quer afastá-los de Deus!
E quase o queria.
- A República é uma serpente!
E era efetivamente, para o padre e para o povo, como a serpente que queria que o homem comesse da árvore do conhecimento.
Lembrou-se do rosto do padre de cão a ladrar, e ao mesmo tempo ouvia as ruas, ouvia o eco de Paris:
- Liberdade, Igualdade, Fraternidade!
Mas este eco era fraco, só de letrados e alguns operários, quase de quem podem ter dinheiro, equipamento e palavras, embora encantador.
O eco era para os sem esperança, para os que tinham o discurso do padre incrustado na alma e tentavam lutar contra ele, mas não o ouviam… ainda não.
Ela imaginou os três padres observando os peitos redondos e soltos d´ “A Portuguesa”. Pervertidos sociais, pensou.
Depois, a menina regressou três anos na sua memória. Ela de doze anos, com os olhos grandes cheios de vida, toda bonitinha, brincando no campo entre as flores, rindo. A lembrança bela escureceu-se com a imagem da morte da sua mãe e o abandono do seu pai. Olhou-se banhada em lágrimas, com os lábios entre os dentes quase a sangrar, apertando e agitando suas mãos ansiosamente, sem mãe e sem pai aos seus doze anos, caminhando para a Igreja, entrando, falando com o padre que ternamente a abraçava e tranquilizava. O padre Semedo, bondoso, que a levou para sua casa e a sentou na mesa para dar-lhe comida e teto.
Ao princípio, o padre contava-lhe histórias para crianças, sentava-a no seu colo e continha-a em seus braços. De padre convertia-se em seu pai. De manhã ajudava-a a mudar de roupa e a limpá-la, só ele. Mas quando as pessoas dormiam, aparecia no quarto, em pezinhos de lã, e fechava a porta sem fazer ruído:
- Shhh, se dizes algo, Deus fica zangado, menina
De padre impunha-se-lhe como amante. E ela gelada, também com os lábios entre os dentes quase a sangrar e as suas mãos apertadinhas. Sempre gelada, como agora, sem nenhum movimento… como o padre, agora.
De novo, hoje, com ele morto aos seus pés.
Ela cada vez mais furiosa percorreu os olhos pela sacristia, tomou uma cruz, a mais branca. Aproximou-se da cabeça do padre e bateu nela com força, com muita força. O sangue saía em todas as direções. Batia com ódio, com tristeza, com amor por ela mesma.
Toda vermelha gritou como quem grita pela liberdade quando não se sabe o que é:
- Morra a opressão!
- Viva a República!
com o sentimento de que, ao partir a cabeça do padre, rompia as suas cadeias. E, como “A Portuguesa” que com as grilhetas quebradas na mão direita simbolizava a morte da religião, ela também quebrava o temor que a Igreja lhe impunha desde garota.
Uma e outra vez gritava como quem ignora que alguns anos depois estaria submetida, com os olhos postos no chão, as mãos apertadas e os lábios fechados.
Ela tomou-o, viu nele uma mulher de peitos como os seus, redondos, grandes, soltos, era “A Portuguesa”. Mas, por que teriam os padres esse postal?
Entrou na sacristia à procura do padre Semedo, olhou em todas as direções, o lugar parecia vazio.
Encontrou ao padre Semedo no chão, já sem ar.
Fechou a porta.
Aproximou-se do corpo e fixou os seus olhos nos olhos do padre, morto, sem nenhum movimento.
Ficou gelada por três segundos ou por uma eternidade.
Lembrou-se do discurso do padre:
- A República só quer afastá-los de Deus!
E quase o queria.
- A República é uma serpente!
E era efetivamente, para o padre e para o povo, como a serpente que queria que o homem comesse da árvore do conhecimento.
Lembrou-se do rosto do padre de cão a ladrar, e ao mesmo tempo ouvia as ruas, ouvia o eco de Paris:
- Liberdade, Igualdade, Fraternidade!
Mas este eco era fraco, só de letrados e alguns operários, quase de quem podem ter dinheiro, equipamento e palavras, embora encantador.
O eco era para os sem esperança, para os que tinham o discurso do padre incrustado na alma e tentavam lutar contra ele, mas não o ouviam… ainda não.
Ela imaginou os três padres observando os peitos redondos e soltos d´ “A Portuguesa”. Pervertidos sociais, pensou.
Depois, a menina regressou três anos na sua memória. Ela de doze anos, com os olhos grandes cheios de vida, toda bonitinha, brincando no campo entre as flores, rindo. A lembrança bela escureceu-se com a imagem da morte da sua mãe e o abandono do seu pai. Olhou-se banhada em lágrimas, com os lábios entre os dentes quase a sangrar, apertando e agitando suas mãos ansiosamente, sem mãe e sem pai aos seus doze anos, caminhando para a Igreja, entrando, falando com o padre que ternamente a abraçava e tranquilizava. O padre Semedo, bondoso, que a levou para sua casa e a sentou na mesa para dar-lhe comida e teto.
Ao princípio, o padre contava-lhe histórias para crianças, sentava-a no seu colo e continha-a em seus braços. De padre convertia-se em seu pai. De manhã ajudava-a a mudar de roupa e a limpá-la, só ele. Mas quando as pessoas dormiam, aparecia no quarto, em pezinhos de lã, e fechava a porta sem fazer ruído:
- Shhh, se dizes algo, Deus fica zangado, menina
De padre impunha-se-lhe como amante. E ela gelada, também com os lábios entre os dentes quase a sangrar e as suas mãos apertadinhas. Sempre gelada, como agora, sem nenhum movimento… como o padre, agora.
De novo, hoje, com ele morto aos seus pés.
Ela cada vez mais furiosa percorreu os olhos pela sacristia, tomou uma cruz, a mais branca. Aproximou-se da cabeça do padre e bateu nela com força, com muita força. O sangue saía em todas as direções. Batia com ódio, com tristeza, com amor por ela mesma.
Toda vermelha gritou como quem grita pela liberdade quando não se sabe o que é:
- Morra a opressão!
- Viva a República!
com o sentimento de que, ao partir a cabeça do padre, rompia as suas cadeias. E, como “A Portuguesa” que com as grilhetas quebradas na mão direita simbolizava a morte da religião, ela também quebrava o temor que a Igreja lhe impunha desde garota.
Uma e outra vez gritava como quem ignora que alguns anos depois estaria submetida, com os olhos postos no chão, as mãos apertadas e os lábios fechados.
*No conto falo da transição da monarquia à república de Portugal, anunciando o Salazarismo
** Com este conto ganhei o segundo lugar do Concurso de criação literária em língua portuguesa: 1910-2010 Centenário da instauração da República em Portugal. Organizado pelo Instituto Camões e a UNAM
***Também se pode encontrar em: http://letrasportuguesas.com/2011/08/16/morra-a-opressao/
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